O que é Foco Narrativo? Parte 2 – de Machado de Assis até a contemporaneidade
Estudando sobre romances, percebemos que as estruturas mais importantes dele são as personagens e o narrador, inclusive, sendo tema de questões de vestibulares, concursos, e claro, no ENEM.
E afinal, o que é o narrador? O que é o foco narrativo?
Como vimos no primeiro artigo (leia ele aqui), antes o narrador era um bastião de (certa) moralidade, que descrevia as cenas, seja como alguém externo, seja como personagem, ora criticando as personagens, ora exaltando elas.
Tudo começou a mudar no século 18, com romances e contos com narradores cada vez menos objetivos, até que chegamos no ponto máximo da (suposta) neutralidade, com Madame Bovary de Flaubert, em 1856 – pois o narrador narrava a historia da adúltera Emma, mas sem condena-la.
Agora, vamos estudar outro tipo de narrador – que define, definitivamente, o que é o foco narrativo do século 20 e 21: o narrador psicológico.
A subjetividade de quem fala
A maior peculiaridade de narrativas psicológicas, como Dom Casmurro (1899) de Machado de Assis ou A volta do parafuso de Henry James, é que somos apresentados a uma narrativa pessoal, na qual uma personagem conta tudo do seu ponto de vista.
Porém, diferente do que acontecia antes, aqui, o narrador não tenta ser imparcial. Ou pelo menos, ele fala que está tentando, mas vai dando várias “pistas” de que não é.
No caso de Dom Casmurro, Bento fala, a todo momento, que é uma pessoa distraída, e um tanto ingênua, por exemplo. Logo, como confiar que o que ele fala não é, simplesmente, uma distorção da realidade?
Veja Também: 2000 Cursos GRÁTIS para você escolher e ainda concorrer a um IPHONE 15 Pro MAX! Clique e Confira!
Essa problematização, influenciada pela psicanálise de Freud, foi ganhando força, ao longo dos primeiros anos do século 20. Seu momento máximo é com Ulysses do irlandês James Joyce, publicado em 1920.
Nesse livro, divisor de águas, o narrador vai contando a história ao mesmo tempo em que ouvimos sua imaginação. Ou seja, nunca temos muita certeza sobre quem está falando, e em qual plano (personagens ou o inconsciente? A realidade ou a imaginação/memória?).
Século 20 e o cinema
No século 20, a influência do cinema faz alguns escritores, como Nathalie Sarraute, Alain Robbe-Grillet, Ernest Hemingway e em alguma medida Clarice Lispector e Autran Dourado, no Brasil a adotarem uma técnica chamada de “Narrador Câmera”.
Isso é, o narrador não está contando a historia, mas descrevendo o cenário e deixando a historia se contar sozinha.
Com isso, o foco narrativo seria o mais distante possível; logo, lemos uma cena, e não a descrição.
O grande problema é que mesmo aqui, existe um foco narrativo, já que as imagens são sugeridas, e não a imagem factual.
Com o avanço de meios de comunicação, o narrador começa a desaparecer, no sentido de que a narrativa acontece como uma colagem de trechos (de textos, imagens, filmes, músicas, etc.).
Autores como Thomas Pynchon e Ignácio Loyola Brandão, nos anos 70-80, W.G. Sebald, nos anos 90 e Luiz Ruffato nos anos 2000 usam da técnica.