Anacoluto no português – definição e tipos de uso

Veja exemplos e conheça os diferentes tipos de uso dessa construção típica da linguagem coloquial e literária no português.

No vasto universo da língua portuguesa, algumas construções gramaticais desafiam a linearidade tradicional da frase, introduzindo elementos que, à primeira vista, parecem deslocados ou desconectados. É o caso do anacoluto, um recurso estilístico e sintático que interrompe a fluidez da oração para destacar um termo ou ideia, criando uma pausa na construção gramatical.

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Embora seja mais comum na linguagem oral e coloquial, o anacoluto também aparece em textos literários e jornalísticos, funcionando como ferramenta expressiva para reproduzir o modo como pensamos ou falamos espontaneamente. No artigo que preparamos para você hoje, nós vamos explorar o que é o anacoluto, por que ele ocorre e quais são os principais tipos de uso dessa figura no português contemporâneo.

Anacoluto – a figura de linguagem

O anacoluto é uma figura de linguagem marcada por uma quebra repentina na linha de raciocínio dentro de uma frase, o que provoca uma interrupção na estrutura lógica da oração. Essa construção ocorre com maior frequência na linguagem oral, já que, ao falar, os interlocutores têm maior liberdade para reorganizar pensamentos ou inserir comentários de maneira espontânea e não planejada.

Figuras de linguagem

As chamadas figuras de linguagem — também conhecidas como figuras de estilo ou de retórica — são ferramentas usadas por falantes e escritores com o objetivo de causar determinados efeitos no receptor, seja ele leitor ou ouvinte. Elas incluem recursos como metáfora, comparação, prosopopeia, catacrese, onomatopeia, paradoxo, ironia, antítese, eufemismo, entre outras. O anacoluto é uma delas — e, como tal, precisa ser compreendido dentro desse amplo repertório expressivo.

Quando ocorre o anacoluto?

Como mencionado, o anacoluto é bastante comum na fala cotidiana. Seu uso, no entanto, só é considerado inadequado quando surge dentro de um texto que exige coesão sintática rigorosa, como em contextos formais e acadêmicos. A quebra do encadeamento lógico, nesse caso, pode ser entendida como erro gramatical.

Na frase “Eu, também me parece que as fiz, porém vou sempre negar”, o termo “eu” é introduzido e logo fica desconectado da sequência da oração. O sujeito está presente no início, mas é retomado de forma implícita depois da pausa, o que configura um anacoluto por elipse.

Outro exemplo típico do uso informal é: “O meu cachorro, levo-o sempre àquele veterinário.” Nesse caso, “o meu cachorro” aparece no início da frase, separado do restante, e é retomado por meio do pronome “o”. A construção reflete um padrão comum na fala, em que o locutor introduz um tópico e depois reformula a estrutura da frase.

Contudo, alguns estudiosos da linguagem preferem não classificar tais ocorrências como anacoluto, considerando-as antes como uma estratégia estilística para destacar uma informação. Para esses autores, o anacoluto propriamente dito acontece quando a frase é interrompida de tal maneira que parte da estrutura gramatical permanece suspensa ou inacabada.

Exemplos de anacoluto na linguagem cotidiana:

  • Eu, acho que não estou passando muito bem.

  • Nora, lembro dela toda vez que faço esse pudim.

  • A vida, não sei como será sem saúde.

  • Adolescentes, como são difíceis de conversar.

  • Regina, ouvi dizer que está ocupada.

  • Miami, quantas lembranças boas eu guardei.

Exemplos de anacoluto na literatura:

  • “O relógio da parede eu estou acostumado com ele, mas você precisa mais de relógio do que eu.” – Rubem Braga

  • “Eu, que era branca e linda, eis-me medonha e escura.” – Manuel Bandeira

  • “A velha hipocrisia, recordo-me dela com vergonha.” – Camilo Castelo Branco

  • “Eu, porque sou mole, você fica abusando.” – Rubem Braga

  • “E o desgraçado tremiam-lhe as pernas, sufocando-o a tosse.” – Almeida Garrett

Outras figuras de sintaxe na língua portuguesa

Além do anacoluto, há diversas figuras que provocam alterações na estrutura sintática das frases. Veja algumas:

Elipse

Consiste na omissão de um termo que, embora não expresso, pode ser facilmente identificado pelo contexto.

Exemplo:

“Ficaram satisfeitos com o projeto.”
(O sujeito “eles” está subentendido.)

Zeugma

É a omissão de um termo já mencionado anteriormente, evitando a repetição.

Exemplo:

“Ana foi ao teatro; eu, ao cinema.”
(O verbo “fui” foi omitido na segunda oração.)

Anacoluto no português – definição e tipos de uso (Foto: Unsplash).
Anacoluto no português – definição e tipos de uso (Foto: Unsplash).

Hipérbato

Consiste na inversão da ordem habitual dos elementos da frase.

Exemplo:

“Nasceu meu sobrinho.”
(Ordem direta: “Meu sobrinho nasceu.”)

Silepse

Trata-se de uma concordância feita com a ideia, e não com a forma gramatical. Pode ocorrer em três tipos: de gênero, de número e de pessoa.

Exemplos:

  • “Rio de Janeiro é suja.” (silepse de gênero)

  • “Um bando de políticos gritavam enlouquecidos.” (silepse de número)

  • “Todos os jogadores estamos confiantes para o torneio.” (silepse de pessoa)

Assíndeto

Caracteriza-se pela ausência de conectivos entre as orações.

Exemplo:
“Estudei, revisei, pratiquei, passei.”

Polissíndeto

É o uso repetido de conjunções coordenativas, geralmente para enfatizar ou dar ritmo.

Exemplo:
“E chove, e venta, e troveja, e ninguém sai de casa.”

Anáfora

Consiste na repetição de uma ou mais palavras no início de frases ou versos, gerando ênfase.

Exemplo:

“Se você gritasse,
Se você chorasse,
Se você tocasse a campainha…”

Pleonasmo

Pode ser um recurso estilístico (literário) ou uma redundância considerada inadequada (vicioso).

Exemplos literários:

  • “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal.” – Fernando Pessoa

  • “Morrerás morte vil na mão de um forte.” – Gonçalves Dias

  • “Chovia uma triste chuva de resignação.” – Manuel Bandeira

Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “Criando filhos leitores – 4 dicas para incentivar a leitura”, já que o hábito da leitura estimula a criatividade, melhora o desempenho escolar e fortalece o vínculo familiar.

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