Hora literária – veja 5 poemas de Augusto dos Anjos
Mergulhe na originalidade de sua poesia intensa, científica e fora dos padrões da época.

Nenhum poeta foi tão único na nossa literatura quanto Augusto dos Anjos. Apenas o primeiro verso de seus poemas revela a intensidade de um autor que, em uma abordagem inédita na literatura mundial, ousou fundir o Simbolismo com o cientificismo naturalista. Os poemas de sua única obra, Eu, de 1912, são impactantes tanto pelo vocabulário quanto pelos temas ousados, que, para a época, eram considerados controversos, e que, ainda hoje, soam desafiadores.
Leia também: Como fazer o melhor desenvolvimento da sua redação
5 poemas de Augusto dos Anjos
A poesia de Augusto dos Anjos se afasta do convencional. Embora em alguns momentos se perceba a influência da dor presente nos versos dos Simbolistas, o que se destaca em sua obra é o cientificismo naturalista. Com sua poesia antilírica, ele deu início a uma reflexão sobre os parâmetros da “boa poesia” na literatura brasileira, ao tratar de temas como a decomposição dos corpos, vermes, prostituição, as substâncias químicas do corpo humano e até mesmo a descrição detalhada da putrefação da matéria – assuntos antes impensáveis no terreno poético.
Em sua obra, não há espaço para o lirismo tradicional: ao ler seus poemas, é possível entender o conceito de antipoesia. Mesmo ao abordar o amor, Augusto dos Anjos o faz de maneira incomum, utilizando um vocabulário considerado vulgar e inadequado para o padrão literário da época. Mesmo com tantas inovações literárias e transformações no cenário cultural, a poesia de Augusto dos Anjos ainda provoca estranhamento. Ela nos desafia a repensar o que é a poesia, mostrando que ela pode se manifestar até mesmo nas situações mais sombrias.
Para conhecer melhor a obra desse autor inovador, selecionamos cinco poemas de Augusto dos Anjos que certamente irão fazer você repensar a poesia: ela nem sempre é pura delicadeza, e o poeta não vive só de amor.
Boa leitura!
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
O poeta do hediondo
Sofro aceleradíssimas pancadas
No coração. Ataca-me a existência
A mortificadora coalescência
Das desgraças humanas congregadas!
Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!
Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto…
Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!
Versos íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
A esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “Criando filhos leitores – 4 dicas para incentivar a leitura”, já que o hábito da leitura estimula a criatividade, melhora o desempenho escolar e fortalece o vínculo familiar.