A teoria dos atos de fala: saiba o que é como praticar

Aprenda também a aplicá-la na prática para se comunicar com mais clareza e eficácia.

Você já parou para pensar que, ao falar, não apenas transmite informações, mas também realiza ações? Quando pedimos, prometemos, elogiamos ou até mesmo nos desculpamos, estamos praticando aquilo que os estudiosos da linguagem chamam de atos de fala. Essa teoria, desenvolvida inicialmente pelo filósofo britânico J. L. Austin e expandida por John Searle, mostra que a linguagem vai muito além da simples comunicação: ela tem o poder de transformar a realidade.

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Sendo assim, neste texto, você vai entender o que é a teoria dos atos de fala, quais são seus principais tipos e como aplicá-la no dia a dia – seja para melhorar sua comunicação pessoal, profissional ou acadêmica.

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O que a teoria dos atos de fala prega?

Você já refletiu sobre o verdadeiro papel da linguagem no nosso cotidiano? Já se perguntou por que falamos e o que nos leva a expressar pensamentos, desejos ou intenções? Será que, por meio das palavras, também podemos agir e provocar transformações reais? Essas são as perguntas centrais que norteiam a chamada teoria dos atos de fala.

O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein foi um dos primeiros a lançar luz sobre a ideia de que o sentido das palavras depende do seu uso nos diferentes contextos. Sua reflexão sobre os jogos de linguagem abriu caminho para novas discussões, que acabaram gerando questionamentos ainda mais profundos sobre a relação entre linguagem e ação. Vamos entender como essa teoria se desenvolveu e qual é sua importância.

Origem e propósito

A formulação inicial da teoria dos atos de fala é atribuída ao filósofo britânico John Langshaw Austin (1911–1960), membro da Escola Analítica de Oxford, e posteriormente expandida por John Searle (1932–), um importante pensador da filosofia da linguagem. Essa teoria propõe que a linguagem não serve apenas para descrever o mundo ou relatar fatos. Ao contrário, falar é também uma forma de agir: por meio da fala, realizamos ações que influenciam pessoas e situações ao nosso redor. Nesse sentido, todo ato de fala é uma ação realizada por meio da linguagem.

Austin propõe uma visão que vai além do entendimento tradicional da linguagem como instrumento puramente descritivo – aquele que apenas comunica informações verdadeiras ou falsas. Para ele, há muitas situações em que as palavras não descrevem, mas realizam. Em outras palavras, nem toda afirmação se resume a constatar algo: algumas expressões executam ações no momento em que são ditas.

A compreensão dessas ações verbais exige atenção ao contexto comunicativo: quem fala, para quem se fala, qual é a intenção da fala, onde e quando ela ocorre, além do conteúdo. Esses elementos são fundamentais para interpretar corretamente a função dos enunciados.

Mas como isso se aplica na prática? Austin divide os enunciados em dois grandes grupos: constativos e performativos. Os enunciados constativos são aqueles que afirmam, relatam ou descrevem uma situação e podem ser avaliados como verdadeiros ou falsos. Exemplos disso seriam frases como “a Terra gira em torno do Sol” ou “o texto está pronto”.

Já os enunciados performativos são diferentes: eles realizam uma ação no próprio ato de serem proferidos. Costumam aparecer na primeira pessoa do singular, no tempo presente do indicativo, em tom afirmativo e na voz ativa. Alguns exemplos seriam: “eu prometo”, “eu te perdoo” ou “declaro aberta a sessão”. Segundo Austin, quando essas frases são ditas em contextos apropriados, o ato é considerado realizado pela própria fala. Se essas condições não forem cumpridas — por exemplo, se alguém sem autoridade disser “eu te absolvo” —, o enunciado não é falso, mas considerado inválido, ou como o próprio filósofo definiu: “infeliz”.

Essas situações ideais para que um ato de fala performativo se concretize são chamadas por Austin de “condições de felicidade”. Um exemplo clássico é o de um juiz, com autoridade legal, dizendo em audiência: “eu te absolvo”. Ou o de um presidente de sessão parlamentar anunciando: “declaro aberta a sessão”. Nestes casos, a fala não apenas comunica algo, mas realiza de fato uma ação com efeito concreto.

A teoria dos atos de fala: saiba o que é como praticar (Foto: Unsplash).
A teoria dos atos de fala: saiba o que é como praticar (Foto: Unsplash).

As sutilezas dos discursos

Durante suas investigações sobre o papel da linguagem na construção de significados, John Austin mergulhou nas nuances dos atos performativos, demonstrando que enunciados que à primeira vista parecem semelhantes podem carregar diferentes níveis de clareza ou ambiguidade. A partir dessa observação, ele passou a classificar os enunciados performativos em duas categorias distintas: os explícitos, como no caso de “Eu ordeno que você saia”, em que a ação está claramente expressa, e os implícitos – também chamados de primários — como simplesmente “Saia”, em que a intenção da ação precisa ser interpretada pelo contexto.

Ao desenvolver mais profundamente sua teoria, Austin percebeu que todo enunciado linguístico realiza, ao mesmo tempo, três tipos de atos distintos: o ato locucionário, o ato ilocucionário e o ato perlocucionário.

Esses três níveis de ação podem ser compreendidos como camadas interligadas do discurso. Tomemos como exemplo a frase: “Eu prometo estar em casa hoje à noite”. O ato locucionário corresponde à formulação literal da frase, ou seja, à construção gramatical e ao conteúdo proposicional da sentença. Já o ato ilocucionário diz respeito à intenção por trás da fala; neste caso, o compromisso assumido com outra pessoa, ou seja, a promessa. Por fim, o ato perlocucionário se refere aos efeitos que essa fala pode provocar no interlocutor, como tranquilizá-lo, convencê-lo ou até gerar expectativas.

Essa distinção revela o quão rica e multifacetada pode ser uma simples interação verbal. A compreensão dos três atos permite identificar não apenas o que está sendo dito, mas como está sendo dito e com que finalidade, tornando a teoria dos atos de fala uma ferramenta poderosa para analisar a linguagem em contextos variados — da vida cotidiana às relações profissionais, jurídicas ou educacionais.

 

Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “De onde vieram os sotaques brasileiros mais populares no país?”, pois, mesmo que todos falemos português aqui, as variações de pronúncia, entonação e vocabulário entre as regiões formam um verdadeiro mosaico de sotaques que encantam, intrigam e, muitas vezes, revelam a origem de cada brasileiro.

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